Gustavo Valério

O Poeta Notívago

Histórico

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

A honra é chama, e arde sem alarde,
Não grita ao mundo o quanto já venceu.
No peito firme, o orgulho nunca arde,
Pois sabe o que sustenta não é seu.

Não pede aplauso aquele que é inteiro,
Nem curva o corpo à ordem que desdita.
Caminha só, porém de olhar guerreiro,
Com a verdade atada à própria escrita.

No gesto simples vive a altivez,
Silêncio tem mais peso do que espadas.
Honra não cede à pressa ou à nudez.

E quando findam glórias tão sonhadas,
Resta o valor das lutas que, uma vez,
Foram travadas — nuas, mas sagradas.

Em Teu Olhar

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Em teu olhar repousa a claridade
Que afasta as sombras todas do caminho.
Teu rosto é calma, é sol, é puro ninho,
Refúgio doce em meio à tempestade.

Teu corpo dança em nobre suavidade,
Desliza como brisa sobre o linho.
O mundo silencia num carinho
Quando se entrega à tua liberdade.

Não és miragem, és mais: revelação!
Mistério que se mostra sem medida,
E deixa um rastro meigo de ternura.

Teu nome é verso em viva pulsação,
Presente que se faz eterno em vida,
Mulher que em si contém toda a bravura.

Alma Sangrada

Ana Beatriz Cardoso

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Socorra-me, meu Deus, que sofro tanto!
Minh’alma sangra e grita: Liberdade!
Meu corpo fraco espera piedade…
Perdido assim nos mares deste pranto!

Preciso duma dose de verdade:
O medo, aos poucos, rouba o meu encanto…
Queria ouvir o céu, o sol e o canto,
Mas vejo só barulho, insanidade!

Percebo as sombras velhas e funestas,
Vagando sobre a cama e pelas frestas…
– Plateia fúnebre do meu martírio –

Encontro-me sozinho e desolado,
Trancado às margens vis do meu passado!
Restou-me, então, um último delírio!

Na Gaveta

Gabriel Zanon Garcia

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

A noite por que passa a negra ave
Varria, tristemente, o véu do mundo…
No denso santuário, a voz suave
Cantava, junto à lira, num segundo.

Surgiu no céu aquela estranha Nave
– Destino permanente do defunto –
Pintando o som amargo e muito grave
Dos prantos que levaram todo assunto.

Jamais sentiu a vida, a pobre moça,
Porquanto esteve triste e sempre insossa,
Mantendo, ainda assim, a branda fé.

Vivia imaginando a própria morte,
E na gaveta amada, num recorte…
Deixou um triste adeus no rodapé.

Dilema

Gustavo Valério Ferreira

Conto

Desde pequena, Diana aprendeu a sobreviver com pouco.

O afeto, para ela, era um luxo distante.
Nunca teve bonecas, aniversários com bolo ou histórias para dormir.
Teve apenas um colo: o do pai. Um homem de poucas palavras, mas de gestos que ela interpretava como amor.

A mãe? Era um nome ausente, um vazio do qual ninguém falava.

— Foi embora quando você ainda era um bebê… — diziam os vizinhos, desviando os olhos.

Diana não se importava. Tinha o pai.
E o que ele lhe dava era tudo o que conhecia como amor.
Até o dia em que, aos dezenove anos, aquele homem que era seu mundo recebeu o diagnóstico: câncer.

E a vida, já amarga, virou um pesadelo.

Diana mergulhou numa batalha desesperada para salvá-lo.
Trabalhou em tudo o que pôde — faxinas, balcões, noites em motéis baratos.
Vendeu sua coleção de discos raros, seus mascotes, parte de suas roupas, celular, computador, o corpo…
Vendeu até a alma.

O câncer roubou a sua juventude.

Fez de tudo. Tudo por ele.
Foram cinco anos de luta e, após tanto tempo, nada mudou…

Seu pai se foi numa manhã fria e cinza de Agosto. Não houve palavras. Só o silêncio.
Um silêncio que começou a doer na garganta mais que qualquer grito estridente.

Tudo o que conseguiu até esse momento foram cicatrizes indeléveis e nenhum resultado positivo…
O universo parece realmente não se importar com suas necessidades…

Diana afundou num luto sem fim. Tentou seguir, mas o mundo era um lugar sem cor e vazio.
Carregava o peso de tudo o que fez, dos sacrifícios, das feridas abertas.
E os traumas acumulados se multiplicaram, e além disso, agora tinham vozes…

Sussurravam coisas em seu ouvido. Vozes que vinham da escuridão.

Foi então que decidiu procurar sua mãe.
Ela certamente estaria em algum lugar tendo uma vida boa, confortável…
Se havia alguém neste mundo que poderia explicar sua existência, era ela.

Diana queria saber o motivo de sua mãe tê-la deixado sozinha com seu pai, um homem tão bom e honesto …
Queria saber o por que teve que enfrentar o mundo sozinha, sem um colo ou um ombro para chorar, quando, em vários momentos, precisou… Queria saber o que fez para merecer o abandono ainda na inocência…

A busca foi longa. Dolorosa. Mas ela era obstinada.
Depois de 9 anos de buscas, pesquisas e, praticamente, montando um quebra-cabeças,
encontrou o que procurava: a verdade.

Sua mãe nunca a abandonou.

Sua mãe, ainda gestante, desapareceu sem rastro exatamente no ano em que Diana nasceu…
O corpo foi encontrado somente três dias após o rapto, num matagal, com os restos da placenta ainda ligados ao ventre mutilado, lívido e enrijecido pelo sol…

Violentada. Descartada como um animal qualquer…

E o homem acusado de tê-la levado?
Ninguém sabia, mas a polícia tinha um único suspeito:
O homem que Diana conhecia como pai.

Diana sentiu o restinho da sua alma quebrar em pedaços. O herói, o protetor, o amor da sua vida…
era, não só um monstro, mas o pior de todos os monstros que Diana ouviu falar.

Nem mesmo nos pesadelos mais horrendos que teve, tampouco nos filmes de horror os quais
ela havia assistido chegou a ver tamanha crueldade…

As investigações apontavam para ele como autor de pelo menos outras dezessete mortes semelhantes.
Mulheres jovens. Grávidas. O padrão se repetia, exceto pelo fato de todas as outras terem sido encontradas ainda com o bebê no ventre.

E sua mãe… aparentemente… fora a última.
Pelo menos até Diana nascer.

A polícia suspeitava que o assassino seria o pai de todas as crianças vítimas,
mas após uma série de exames de DNA para ligá-las, não houve confirmação…

Cada criança tinha seu próprio pai, na maioria das vezes, casados.
As vítimas, no entanto, mulheres que viviam às margens da sociedade, cujo o desaparecimento raramente faria falta ou geraria busca de algum parente.

Mas Diana era, de fato, filha do assassino, motivo pelo qual a polícia acreditava
que ele não conseguiu abandoná-la após matar sua mãe, como nos outros casos.

Mas para ela, isso não significava nada. Apenas tornava a dor mais aguda.
Fora criada e educada na toca do lobo… Sob os cuidados de um monstro indescritível…

Como amar uma besta monstruosa desse nível?
Como seguir sabendo que o rosto que ela via no espelho era a lembrança viva de um horror?

As vozes voltaram. Gritavam agora. Sua mãe. Seu pai. Ela mesma, em versões distorcidas.
Espelhos que sussurravam coisas que ninguém mais podia ouvir — nem deveriam.

As cicatrizes começaram a pulsar como se estivessem vivas…

E um dia, Diana parou.
Deixou de procurar sentido. Deixou de lutar.

Naquele apartamento pequeno, com as paredes cobertas por recortes de jornais antigos, fotos queimadas e sangue, muito sangue por todos os lugares Diana simplesmente sumiu…

O corpo nunca foi encontrado. Apenas um espelho quebrado, sujo de sangue…
Alguns dizem que ela enlouqueceu. Outros, que partiu em busca das outras filhas esquecidas…
Mas, às vezes, em noites de silêncio pesado, moradores dizem ouvir alguém chorando no prédio agora abandonado.

E quem tem coragem de olhar nos espelhos do corredor jura ver olhos femininos observando — olhos cheios de dor.
E raiva.

Urutau

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Os passos do passado são tormentas
E espasmos me causando pesadelos…
Produzem, nas raízes dos cabelos,
As mortes melanínicas e lentas…

Esparsas pressuposições cinzentas
Criaram nuvens de cristais de gelos
Tão vivos que sequer consegui vê-los
Domando minhas próprias Ferramentas…

E não importa quantos são os medos
Se a minha vida escapa pelos dedos,
Sou ecos nos espaços mais medonhos…

Descubro, então, que sou a Silhueta
Que, presa na cabeça dum cometa,
Orbita o núcleo pálido dos sonhos…

Maceió Afunda

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Não há soneto belo que descreva
Tamanho desacato à vida humana!
A Morte trabalhava à paisana
Em sua ideia trágica e longeva…

Em Maceió não temos nenhum deva,
Nem tempo pra inferir um só Nirvana…
Mas temos nossa Força soberana…
Ir contra à nossa Força não se atreva!

Queremos o respeito à nossa história:
Abaixo a regalia predatória
Que mata, sem pudor, nossa estrutura!!!

Que Maceió não seja a concubina
Do amante que em seu ventre dissemina
Raízes pra gerar um novo asura…

Canto Pálido

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

Avisto, ao canto pálido da Hora,
Um par de asas negras recaindo
Sobre a Cabeça esquálida onde mora
Um homem de amargor vermelho-infindo…

E vejo, sob as asas, vil espora,
Que, vagarosamente, vai despindo
O olhar amargurado que demora
A ver a morte lhe dizer: Bem-vindo!

E nesse contratempo não enxerga
Que seu sorriso vago, em vão, se alberga
Na boca cavernosa da Esperança…

E luta… Não aceita, nem se entrega…
Porém a morte é velha, mas não cega…
E o leva sorridente enquanto dança…

De Fato

Gustavo Valério Ferreira

Soneto

De fato, já não sinto o sol no rosto
Nem vejo mais o vento galopando…
O tempo é matemática e, imposto,
É cântico mortal, moroso e brando…

De fato, o último Condão composto
Foi expressão de morte e dor somando
Partículas de caos e atroz desgosto…
Eis um soneto meu agonizando!

Já não enxergo bem o que me espera…
Talvez o brilho negro da exosfera
Que na garganta causa inflamação?

A minha voz tornou-se minha Fera
Enquanto o meu silêncio dilacera
Os versos meus em decomposição…

Ramos e Espinhos

Luciano Dídimo

Narração

Produção sob encomenda do poeta cearense Luciano Dídimo.